Cuidadores Informais. Que Justiça social?

Estima-se que em Portugal existam 800 mil cuidadores informais o que corresponde a 8% da população, mas o número de Estatutos de Cuidador Informal pedidos e reconhecidos desde a entrada em vigor da Lei fica muito aquém desse número.
A Lei nº 100/2019 de 6 de Setembro que aprovou o tão esperado Estatuto do Cuidador Informal (ECI) introduziu a classificação de Cuidador Informal Principal (CIP) e de Cuidador Informal Não Principal (CINP), sendo que, somente com a publicação da Portaria 2/2020 de 10 de Janeiro é que é foi introduzida a definição de Cuidador Informal (CI)
O Cuidador Informal (CI) é sempre o cônjuge, o unido de facto, parente ou afim até ao 4.º grau da linha recta ou da linha colateral da pessoa cuidada (ex. filhos, netos, bisnetos, trinetos, irmãos, pais, sogros, genros e noras, avós, bisavós, trisavós, tios avós, tios, primos.
Pessoa cuidada é aquela que se encontre em situação de dependência de terceiros e a necessitar de cuidados permanentes, não se encontre acolhida em resposta social ou de saúde pública, em regime residencial e que seja titular de complemento de dependência de 2.º grau, complemento de dependência de 1.º grau se, transitoriamente, se encontre acamada, a necessitar de cuidados permanentes ou a auferir subsídio por assistência de terceira pessoa.
O Cuidador Informal principal (CIP) é a pessoa que resida com a pessoa cuidada e preste cuidados em permanência. O CIP não pode exercer actividade profissional, não pode exercer actividade em regime de estágio ou voluntariado, não pode auferir rendimentos de trabalho, nem tão pouco ser beneficiário de prestação de subsídio de desemprego. Está também vedado ao CIP auferir qualquer compensação/remuneração pelo exercício do cargo de cuidador.
Os CIP podem, contudo, ter direito (em condições muito específicas), a, entre outros, um subsídio de apoio e finda que seja a assistência à pessoa(s) cuidada(s), a medidas de apoio à integração no mercado de trabalho.
O Cuidador Informal não principal (CINP) é aquele que acompanha a pessoa cuidada de forma regular, mas não permanente, que pode ou partilhar o mesmo domicílio, podendo auferir remunerações por actividade profissional que desempenhe e/ou pelos cuidados prestados à pessoa cuidada.
Apesar de estar prevista a revisão da legislação laboral no sentido de serem introduzidas normas que promovam a conciliação da prestação de cuidados com a atividade profissional entre outras medidas “de reforço à proteção laboral”, certo é que até ao momento a mesma ainda não ocorreu.
O estatuto de cuidador informal (ECI) só pode ser reconhecido a um cuidador por domicílio, mas é possível requerer o reconhecimento do ECI em relação a mais do que uma pessoa cuidada.
Ao estabelecer-se que um CI tem que ser pessoa com relação de parentesco ou de afinidade com a pessoa cuidada, foram afastadas as pessoas que, sendo vizinhos e/ou amigos (alguns deles a viver em economia comum com a pessoa cuidada) asseguram de forma permanente ou regular estes cuidados.
De igual modo, foram afastadas do enquadramento como CIP, o que gera profunda injustiça social, as pessoas (familiares, parentes ou afins) que vivem com a pessoa cuidada e asseguram (pessoalmente ou por interposta pessoa) que aquela está a ser acompanhada em permanência, que a acompanha a consultas e tratamentos mas que (atenta a reduzida oferta de apoios sociais e os montantes dos mesmos) não podem privar o seu agregado familiar do rendimento que auferem no exercício de uma actividade profissional e que, por vezes, é o único ou a principal fonte de rendimento de um agregado familiar com 3 ou mais pessoas, onde, por vezes se incluem crianças.
Certamente que nos nossos círculos de conhecimentos e amizades, com facilidade podemos identificar CI que acumulam uma actividade profissional, quer seja como trabalhadores dependentes, quer como profissionais liberais, com os cuidados, em permanência, às pessoas por si cuidadas.
Se para um CIP (de acordo com as definições que resultam da Legislação em vigor) a prestação de cuidados implica que deixe de ter tempo para si próprio e para a sua família (sejam eles os cônjuges, companheiros e ou filhos), facilmente nos apercebemos do quão mais difícil é para quem exerce uma actividade profissional e que condiciona a mesma (a ponto de comprometer qualquer possibilidade de progressão), quer porque opta por turnos rotativos, trabalho nocturno e/ou aproveita as pausas no trabalho para se deslocar a casa e assim poder acompanhar a pessoa cuidada durante, nomeadamente, as refeições e assegurar a higiene das mesmas.
Em tempos de pandemia e com o encerramento de alguns centros de dia, a suspensão de actividade de instituições de apoio domiciliário, entre outros estabelecimentos de natureza similar, muitos cuidadores informais sentiram um agravamento nas suas condições de vida, de trabalho e de assistência às pessoas cuidadas.
Como muito bem questionava a Ex.ma Sr.ª Doutora Paula Peixoto Dourado, em intervenção na tertúlia do passado dia 21 e que tomo a liberdade de aqui reproduzir “Estando o cuidador informal a desempenhar n bhj função social do Estado, de importância maior, e que o Estado, por si só, não consegue assegurar, não seria da mais elementar justiça social atribuir-lhe um estatuto que lhe conferisse direitos e deveres compatíveis com a exigência do papel social?”
Com a criação do Estatuto do Cuidador Informal (ECI) em Setembro de 2019 os CIP que tenham deixado de trabalhar, passam a poder ter uma carreira contributiva através do seguro social voluntário e que os protege em caso de velhice, invalidez ou morte, tendo sido criada uma taxa específica de 21,4% para os mesmos. Os CPI que pretendam aderir ao seguro social voluntário têm direito à majoração do subsídio de apoio (no fundo trata-se de um aumento do valor normal deste), de forma a conseguirem suportar esta contribuição à Segurança Social. Nesta medida que se reconhece como positiva, falhou o efeito retroactivo na carreira contributiva de tantos milhares de cuidadores que há anos, se dedicam a cuidar dos seus e que se vêm privados de uma reforma condigna.
O CIP que tenha prestado cuidados por um período igual ou superior a 25 meses, passa a ser equiparado a um desempregado de muito longa duração, mas para tanto tem que promover a sua inscrição no centro de emprego após cessação da prestação de cuidados.
O processo de reconhecimento do ECI, pela Segurança Social cuja data de início estava prevista para o dia 1 de Abril só se iniciou (fruto da pandemia do Covid-19) a 1 de Junho, sendo que nos primeiros 12 meses a sua implementação desenrola-se através de 30 projetos-piloto para a preparação da medida ao alargamento a todo o país.
O concelho de Vila Nova de Famalicão não foi escolhido para integrar a lista dos municípios escolhidos pelo Governo para o desenvolvimento de projectos piloto, apesar da existência do Projecto Cuidar Maior, que se integra no conceito de rede social de suporte e que desde que iniciou actividade (em Janeiro de 2020), se tem revelado um apoio imprescindível a largas centenas de CI em todo o concelho, pois tem procurado oferecer resposta e ajuda às necessidades dos mesmos e das pessoas por eles cuidadas e também têm promovido acções de capacitação e formação de CI.
O Cuidar Maior, apesar de não ser um projecto piloto, tem, na prática, desenvolvido trabalho como se fosse e, inclusive junto das instituições que estão no terreno está a tentar realizar um levantamento de todos os CI no concelho e da realidade dos seus agregados familiares.
Enquanto decorre este período “experiência e avaliação”, que será objecto de acompanhamento por uma Comissão de Acompanhamento, Monitorização e Avaliação Intersectorial somente os CIP que residam num dos concelhos piloto e a quem venha ser reconhecido o ECI é que podem requerer a atribuição do subsídio de cuidador informal, assim como somente os CIP e CINP podem exercer, em pleno, os direitos que esse Estatuto lhes confere e/ou beneficiar das medidas de apoio implementadas, tais como como por exemplo o acompanhamento por profissional de saúde de referência; o direito ao aconselhamento, acompanhamento e capacitação que permitam, também, o descanso do cuidador, a promoção da integração no mercado de trabalho.
Somente após a emissão de relatório final a ser elaborado pela Comissão e conclusões a serem remetidas aos membros do Governo responsáveis pelas áreas do trabalho, solidariedade e segurança social e saúde é que será decidido se e em que moldes é que este Regime será aplicado a todo o território nacional, não sendo provável que tal ocorra antes do final de 2021, início de 2022.
Até lá e, pelo menos desde 1 de Julho de 2020 que já é possível, em todo o território nacional, requerer-se o ECI, sendo que, no concelho de Vila Nova de Famalicão ainda não há notícia de decisões sobre os pedidos apresentados (quer presencialmente junto de Balcão de Atendimento da Segurança Social, quer por meio de submissão (meio que se recomenda) na plataforma da Segurança Social Directa.
Sem prejuízo de o regime do ECI ficar muito aquém das reais necessidades da população portuguesa, foi dado um passo importante no reconhecimento desta realidade, sendo da máxima importância que os CI Famalicenses se manifestem, que procurem apoio e/ou que aceitem o apoio que as instituições que estão no terreno lhes estão a oferecer e que não de deixem esmorecer pelo enquadramento redutor da Legislação, pela redacção equívoca de alguns dos diplomas, pela burocracia envolvida (apesar de a mesma ser considerável) e da falta, a curto e médio prazo de subsídio de Apoio a cuidador informal principal, e ou das medidas de apoio previstas na Lei, mas podem, em determinadas circunstâncias, beneficiar de apoios sociais como por exemplo: bonificação do abono de família por deficiência, complemento por cônjuge a cargo, subsídio para assistência a filhos ou netos, apoio para a compra de equipamentos.
Para que o universo dos cuidadores informais no nosso concelho e no nosso País seja verdadeiramente representativo e para que seja possível a revisão do regime legal em vigor e a implementação de medidas que assegurem que os Cuidadores Informais e as pessoas Cuidadas sejam tratadas com a dignidade que lhes é devida, urge intensificar os esforço de informação, formação e capacitação, criando-se sinergias e partilhando conhecimentos.

Miriam Soares

Outubro 2020
Artigo escrito no âmbito da iniciativa "Quartas na Sede"

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