A Mordaça

Agora que está decorrido mais de um ano sobre a tomada de posse do XXI governo constitucional, liderado pelo Dr. António Costa, com direito a cognome – geringonça – já é possível podermos perceber o seu alcance, o que resulta do entendimento entre as diversas partes (cada partido com o PS e não um acordo global).

Porque a vida não se afigurava fácil, porque as condições do país não se mostravam propícias a grandes entendimentos, os diversos partidos acordaram simplesmente duas coisas: I) apear Passos Coelho do governo; II) repor rendimentos a pensionistas e funcionários públicos. Como bem percebiam os partidos à altura, não era possível fazer um acordo muito mais abrangente porque as condições do país não permitiam. Quanto ao resto, havia que navegar à vista, mas, e este é um terceiro entendimento, nunca podiam permitir que o primeiro entendimento pudesse falhar, ou seja, independentemente das vicissitudes próprias da governação, em circunstância alguma se poderá permitir que Passos Coelho volte ao poder, nem que para isso seja preciso engolir sapos ou outros animais.

Eu, que prezo a estabilidade, e penso que ela é sempre um valor prioritário a considerar, valorizo o esforço de proporcionar estabilidade governativa ao país, ainda que indiretamente, porque não é esse o objetivo primeiro desta governação. Penso que para todos nós, incluindo os investidores, nacionais ou estrangeiros, é sempre importante este fator. Contudo, a estabilidade não deve ser um fim em si mesmo, mas uma base para o exercício do poder e, acima de tudo, para o desenvolvimento do país e para a construção de políticas de médio prazo, de que tanto necessitamos.

Ora, como já disse, passado mais de um ano, e dois orçamentos apresentados pelo governo, já é possível percebermos o principal efeito do acordo entre o PS e os partidos da (extrema) esquerda – A MORDAÇA!

Com efeito, sendo o principal desidrato da geringonça a própria sobrevivência, dele decorre um país amordaçado. Culpa do governo? E eu direi que não necessariamente. Acontece que, estando o PCP e o BE comprometidos, e sendo, tradicionalmente estes os “donos do megafone”, o país deixou de ouvir os protestos nas televisões e até nas ruas.

O PS, capciosamente, sabia que se silenciasse os partidos de extrema esquerda em Portugal, conseguiria amordaçar o país. Jogou bem e conseguiu! Mas conseguiu também porque sabe que as pessoas do centro e da direita não costumam utilizar estes métodos para convencer os governos e a opinião pública da justeza das suas reivindicações.

Se temos razões de queixa? Temos, e muitas…: I) o engavetamento do processo da intervenção na EN 14, que é tão importante para a região, mas também para o país é um facto. O governo socialista não quer resolver o problema. Ponto!; II) o aumento dos pagamentos em atraso no setor da saúde, e outros, que leva ao desespero de muitos empresários que já têm que se endividar para conseguirem pagar salários; III) o ajustamento ao mapa judiciário feito com os pés, que coloca agentes não judiciais a fazer de conta que são um tribunal; IV) o atraso nos pagamentos às escolas profissionais, colocando em causa o pagamento a professores e alunos, e que já obriga estas a recorrerem ao endividamento.

Estes exemplos que aqui enuncio servem de mero alerta para aquele que eu considero ser o principal resultado do acordo das esquerdas, aquilo a que chamaria o “efeito geringonça” – amordaçar o país!

E numa semana em que se enalteceu o papel de Mário Soares na construção do nosso país e em que se enalteceu o seu papel de libertação dessas amarras, não deixa de ser irónico.


Vitor Moreira
(Artigo publicado na edição do Correio do Minho de 16-01-2017)

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